O feijão ocupa um papel de destaque na alimentação dos brasileiros, sendo uma fonte importante de proteínas para a população. O rendimento médio nacional da cultura, porém, está entre os mais baixos do mundo e o nitrogênio representa um dos principais fatores limitantes. Mas esse cenário pode mudar. Grupo de pesquisadores do CNPq-Repensa desvendaram os segredos de uma bactéria que se revelou altamente eficiente na fixação biológica do nitrogênio com a cultura.

O nitrogênio é um nutriente que pode ser fornecido, basicamente, por duas fontes, os fertilizantes, ou pelo processo de fixação biológica do nitrogênio (FBN). A fixação biológica é um processo natural em que algumas bactériaspodem fornecer o nitrogênio necessário ao desenvolvimento das plantas. A principal contribuição ocorre entre bactérias denominadas coletivamente de rizóbios e plantas leguminosas, como é o caso do feijoeiro. Na parceria bactéria-planta são formadas estruturas típicas nas raízes, os nódulos, onde as bactérias são alojadas e estabelecem a “fábrica de nitrogênio”. No caso do feijoeiro, o grupo de pesquisadores tem trabalhado com uma bactéria que tem um desempenho excepcional a campo.

As pesquisas com essa nova estirpe de bactéria tiveram início em 1992, quando a estirpe PRF 81 foi isolada de um solo do Paraná. Desde então, pesquisas e avaliações de eficiência agronômica conduzidas pela Embrapa Soja e pelo IAPAR verificaram grande eficiência em fixar nitrogênio e estabilidade genética da PRF 81, o que resultou, em 1998, na autorização pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para o seu uso em inoculantes comerciais, passando a receber a denominaçãode SEMIA 4080. Desde então, vários grupos de pesquisa e de transferênciade tecnologia vêm coletando histórias de sucesso com essa bactéria, que consegue fornecer nitrogênio para rendimentos de 2.000 kg/ha ou superiores, dispensando o uso de fertilizantes nitrogenados.Muito importante é o fato de que as histórias de sucesso vêm desde assentamentos rurais até grandes produtores.

Além de ser um sucesso comercial, o grupo também descobriu que a bactéria apresenta um excelente desempenho em condições de estresse por temperatura e déficit hídrico. Inicialmente foi realizado um mapa proteômicoe outro estudo identificou as proteínas expressas em temperaturas elevadas. As pesquisas atraíram a atenção da comunidade científica e os resultados foram publicados nas prestigiosas revistasProteomicse BMC Microbiology. As principais proteínas identificadas serão agora objeto de estudo, com ênfase na aplicação em tecnologias de tolerância a estresses ambientais.

A ciência verde e amarela não parou por ai. Em dezembro de 2012 a equipe, fortemente apoiada por outro projeto do CNPq, desta vez um bilateral Brasil-México,completou o genoma dessa bactéria e de outra estirpe comercial, a SEMIA 4077 (=CIAT 899), e o artigo resultante consta da lista de trabalhos mais consultados na revista BMC Genomics. Dentreas várias novidades reveladas nesse estudo, tem-se a indicação de uma história evolutiva intrigante, que revelou grande proximidadegenética entre Rhizobium tropici eagrobactérias patogênicas, que causam tumores em raízes de plantas, trazendo prejuízo aos agricultores. Em algum ponto da evolução, há milhões de anos, houve uma divisão entre as “bactérias do bem” e as “bactérias do mal” e essa informação diferenciada está compartimentalizada emplasmídeos, que são estruturas de DNA independentes do cromossomo, e conseguem se multiplicar e ser transferidas para outras bactérias. Foi interessante observarque o plasmídeo das estirpes estudadasé altamente conservado, tendo sido transmitido para outros rizóbios geneticamente relacionados, permitindo simbioses mais eficientes com o feijoeiro.

Outra surpresa foi o número elevado de genes da PRF 81 classificados como xenobióticos, relacionados à degradação de vários compostos orgânicos e inorgânicos. Com isso, abrem-se caminhos para estudos sobre a utilização dessa estirpe para abiodegradação, por exemplo, de agrotóxicos.

A relevância das descobertas foi tão elevada e foram tantas as novidades desvendadas no genoma da PRF 81, que resultaramna descrição de uma nova espécie, aprovada nesta segunda semana de junho pelo comitê internacional de taxonomia. Émuito importante não se esquecer do passado, razão pela qual a nova espécie foi denominada comoRhizobium freirei, uma homenagem do grupo ao prof. João Ruy Jardim Freire, pioneiro e grande incentivador da FBN no Brasil desde a década de 1950.

Sem dúvida os resultados das pesquisas têm projetado cientificamente o grupo brasileiro em nível internacional. Mas o grupo de pesquisa enfatiza “Acreditamos que o ponto mais crítico de todas essas pesquisas seja a divulgação, entre os agricultores,dos benefícios da inoculação com a PRF 81 que, agora “desvendada”, traz a segurança de que carrega vários genes benéficos ao agronegócio brasileiro”.

Dra. Mariangela Hungria
Pesquisadora da Embrapa Soja